Chegar a Brasília é descobrir, um mundo novo, depararmo-nos com um projecto vivo de urbanismo. Somos confrontados com algo que poderia ter sido uma utopia, mas que o não é.
Conhecer a cidade passa por conhecer o seu projecto, saber como foi pensada e certamente pelo confronto com os edifícios que vão pontuando a paisagem com maior ou menor destaque, consoante o seu maior ou menor carácter público.
Nesta capital burocrática, deparamo-nos com o peso simbólico dos principais edifícios de gestão política, apoiados numa autêntica cidade invisível. Vê-la implica mergulhar no subsolo e descobrir toda uma infra-estrutura enterrada, que esconde gabinetes, salas de conferências, salas de reuniões, enfim, as pessoas que detêm o poder. E é nesta particularidade que se invertem os preceitos da maioria das capitais mundiais.
De notar que o figurativismo icónico presente no palácio dos congressos é pontuado por dois anexos que albergam um proletariado invisível nas demais cidades do mundo capitalista. Contrariamente à cidade de Nova Iorque, não se eleva o poder económico mas sim a força do povo e, concentram-se num mesmo espaço público todos os equipamentos de estado, clarificando a (utópica) organização político-social.
Nesta urbe tudo tem o seu lugar, todas as funções se concentram. Tudo se separa por sectores que assentam numa malha regular e à semelhança de Manhatan também é possível uma orientação mediante coordenadas, mas desta feita a deslocação poderá apenas ser efectuada à superfície, através do automóvel. Atrever- -me-ia a afirmar que esta cidade foi pensada apenas para o automóvel.
Os meios de transporte são precários e, o percurso pedonal foi menosprezado no plano de Lúcio Costa. Privilegiando apenas a prática de desporto ou o caminhar entre as quadras residenciais. O espaço público toma dimensões tais que inviabilizam percursos pedonais de apropriação do lugar, chegar a determinado espaço implica o uso do automóvel ou dos precários autocarros.
Dentro do plano piloto, assiste-se a uma forte dicotomia entre os sectores comerciais ou laborais e, o sector habitacional. Neste último somos atirados para o exterior, para um contacto de proximidade com o verde em oposição aos outros sectores em que somos empurrados para o interior deste ou daquele edifício.
Esta qualidade de vida, existente no sector habitacional, perde-se nas cidades satélites, em que o espaço verde é marginalizado em favor da edificação, contrariando as premissas ditadas à pouco mais de 40 anos.
O elevado custo de vida brasilense não se compadece com uma maioria populacional, subjugada à periferia. Continuam desta forma dezenas de projecções residenciais por ocupar. Dentro do plano piloto vive uma minoria dos urbanitas, incluindo-se uma percentagem considerável de uma população flutuante que habita a cidade temporariamente, chegando mesmo esta a abandoná-la no fim de semana.
Na situação hipotética de Erasmo poder viver esta realidade, dificilmente se integraria nesta malha de relações e rapidamente escolheria uma nova cidade para absorver e conhecer as gentes do mundo. Nesta urbe um indivíduo facilmente se torna num cosmopolita em busca de outras realidades fora dos limites da cidade.
Viver em Brasília implica abandoná-la, repetidamente.
É difícil estar confinado àquele universo em que a rua se fecha fora do horário laboral, sem que se viva o espaço público.
A troca de experiências torna-se difícil, dada a segregação provocada por uma estratificação rígida e inflexível. Também as pessoas se encontram sectorizadas.
Compará-la a Nova Iorque, Madrid ou Roterdão é acima de tudo apontar a sua parca idade mas também a falta de espontaneidade, que mesmo na big apple, com a sua malha igualmente regular, se verifica pelas diferenças altimétricas.
É oposta a qualquer uma das cidades citadas, pela mobilidade, ou pela falta dela.
Faltar-lhe-ia tempo para crescer de forma orgânica, gerando outros universos que enriqueceriam a sua apropriação. Tal metamorfose é tornada inviável pelo tombamento da UNESCO, em 1987, que por um lado protege uma qualidade de vida mantida no sector residencial, mas que condena a capital a uma estaticidade imprópria de uma cidade.
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